Pesadelos na catarata
Coordenador
Dr. Claudio Orlich – orlichclaudio@hotmail.com
Especialistas convidados:
Dr. David Chang – dceye@earthlink.net
Dr. David Flikier – davidflikier@icloud.com
Dr. Fernando Soler – fsoler@gmail.com
Introdução
Na cirurgia de catarata, poucas complicações são tão devastadoras como a endoftalmite.
Existem diferentes manejos na profilaxia antibiótica. Na endoftalmite também existe variação na indicação de antibióticos intravítreos e/ou vitrectomias posteriores.
Convidamos três prestigiados cirurgiões de catarata de diferentes áreas geográficas: o Dr. Fernando Soler, da Espanha, o Dr. David Flikier, da Costa Rica, e o Dr. David Chang, dos Estados Unidos.
Na Europa, é comum a profilaxia usando cefuroxima, cuja eficácia foi demonstrada em muitos estudos sobre prevenção de endoftalmite em cirurgia de catarata1,2,3, que está disponível comercialmente (Aprokam), mas não na América Latina. O Aprokam, em outros países Prokam, é injetado por via intracameral em uma diluição de 1 mg de cefuroxima em 0,1 ml de solução e vem em uma apresentação de dose única especialmente preparada para uso intraocular.
Uma vez que o Aprokam não está disponível na América Latina, em geral, a moxifloxacina ou vancomicina intracameral é a alternativa nesses países, embora nenhuma delas esteja disponível para uso intraocular na região. Aqueles que utilizam a moxifloxacina a obtêm diretamente do colírio oftalmológico para uso tópico, injetando-a na câmara anterior.
Após os primeiros seis casos publicados de vasculite retiniana oclusiva hemorrágica associada ao uso de vancomicina intracameral4.5, a Sociedade Americana de Cirurgia de Catarata e Refrativa (ASCRS) e a Sociedade Americana de Especialistas em Retina (ASRS) emitiram um alerta6. Foram identificados 16 novos casos e, infelizmente, de um total de 22 casos de vasculite retiniana oclusiva hemorrágica, 64% eram bilaterais. Isso porque a apresentação clínica é muitas vezes tardia, com uma média de oito dias após a cirurgia de catarata. Em geral, os resultados visuais finais foram insatisfatórios, abaixo de 20/200.
Perguntas:
Não há consenso sobre o uso de antibióticos tópicos antes da cirurgia de catarata. Alguns cirurgiões utilizam um antibiótico tópico três dias antes da cirurgia, outros um dia antes, e alguns ainda preferem apenas minutos antes do procedimento. Outros cirurgiões preferem não utilizar antibióticos rotineiramente para não modificar a flora bacteriana normal ou criar resistência aos antibióticos. O Sr. utiliza rotineiramente um antibiótico tópico antes da cirurgia de catarata? Nesse caso, qual utiliza e por quanto tempo?
Dr. Fernando Soler
Sim, utilizamos a moxifloxacina, a única quinolona tópica de 4ª geração disponível na Europa. Começamos dois dias antes e a mantemos cerca de dez dias no pós-operatório.
Dr. David Flikier
Sim, utilizamos a moxifloxacina tópica, três vezes ao dia, começando dois dias antes da cirurgia e a mantemos por 10 dias no pós-operatório. Podemos modificar esta profilaxia apenas em casos de blefarite marginal, para a qual realizamos limpeza de pálpebras no consultório durante a semana antes da cirurgia. Além disso, ensinamos ao paciente e seus familiares sobre o tratamento da blefarite com compressas quentes, limpeza e massagem direta, ômega 3 de óleo de krill (1 grama por dia) e antibiótico oral em casos severos. Não realizamos a cirurgia até não melhorar a doença da borda da pálpebra.
Dr. David Chang
Segundo a pesquisa que realizamos em 2014 com os sócios da ASCRS, 85% estavam utilizando antibióticos tópicos no pré-operatório. Aproximadamente metade deles começou a antibioticoterapia três dias antes da cirurgia, enquanto a outra metade começou no dia ou um dia antes da cirurgia. Eu começo tratando os pacientes com ciprofloxacina tópica duas vezes por dia, um dia antes da cirurgia. Há evidências de que um antibiótico tópico reduz a contaminação bacteriana superficial, além do que, nos Estados Unidos, a ciprofloxacina é uma fluoroquinolona de amplo espectro mais econômica que a moxifloxacina. A resistência surge da utilização repetida de um antibiótico tópico (como acontece com injeções intravítreas) ou por um período prolongado. Por essa razão, nós não devemos continuar a profilaxia antibiótica tópica por mais do que uma semana no pós-operatório. Em nossa pesquisa, 72% dos cirurgiões que utilizam a profilaxia tópica interromperam a administração do antibiótico a uma semana do pós-operatório.
O Sr. utiliza antibióticos intracamerais rotineiramente após a cirurgia de catarata? Qual utiliza? Como o prepara?
Dr. Fernando Soler
Desde 2006, com a apresentação do Estudo Europeu na ESCRS sobre o uso de cefuroxima intracamerular, estamos utilizando esse antibiótico rotineiramente em nossa prática. Nos casos em que exista alergia cruzada com penicilina, utilizamos moxifloxacina diretamente da apresentação em colírio sem conservantes. Utilizamos a apresentação comercial de cefuroxima (Aprokam©) na dose e quantidade adequadas (0,1 ml em uma diluição de 0,1ml/1mg). Doses mais elevadas são tóxicas e produzem edema macular cistoide. Deve-se notar que, por questões legais, adicionamos um tratamento oral com três comprimidos de azitromicina 500 mg, um comprimido na noite anterior, um na noite da cirurgia e um na primeira noite do pós-operatório.
Dr. David Flikier
Eu não utilizo antibiótico intracameral rotineiramente. Consideramos que a baixa incidência de endoftalmite, de três em cinco mil, o triplo se comparado com a utilização de antibiótico intracameral, responde mais à falta de atenção a alguns dos fatores predisponentes. Entre eles podemos citar: cirurgias combinadas, vitrectomia, glaucoma, ou corneana, cirurgias filtrantes prévias, blefarite ou Demodex folliculorum, paciente que esfrega ou toca o olho (incluindo proteção em pacientes com estado mental alterado, ou deficientes), maior possibilidade de leak da ferida corneana, especialmente em alta miopia e ceratocone, e neste ponto, a importância da colocação preventiva de suturas.
Consideramos que sujeitar 100% dos pacientes ao risco de anafilaxia e toxicidade, (como aconteceu nos casos relatados de retinite oclusiva tóxica), especialmente quando temos que prepará-los ou quando são manipulados pelas farmácias hospitalares, não é necessário e preferimos utilizá-los tão somente em casos com risco aumentado pelos fatores acima mencionados.
Dr. David Chang
Eu utilizei vancomicina intracameral com sucesso por 18 anos sem nenhum caso de endoftalmite bacteriana e vasculite retiniana oclusiva hemorrágica (VROH). No entanto, pelo fato de que quase sempre opero o segundo olho dentro de duas semanas após a operação do primeiro olho, decidi passar para a moxifloxacina intracameral devido ao risco de VROH. Contudo, devo salientar que o risco de VROH parece ser extremamente pequeno. Eu atuo como copresidente da Força Tarefa da VROH na ASCRS-ASRS, e continuamos a monitorar e coletar dados sobre quaisquer novos casos relatados no registro de VROH, disponível em www.ascrs.org
No momento, utilizo uma moxifloxacina preparada em uma farmácia de manipulação (1 mg/0,1 ml), que tem uma vida útil muito estável, mas outros colegas estão injetando Vigamox sem conservantes [moxifloxacina, Alcon, de Fort Worth, Texas].
O Dr. Aravind Haripriya e eu concluímos recentemente um estudo no Hospital de Olhos Aravind, na Índia. Examinamos 617.453 cirurgias de catarata durante um período de 29 meses em seus 10 hospitais regionais. Aproximadamente a metade dos casos (314.638) recebeu profilaxia por injeção intracameral de moxifloxacina. Comparados com os 302.815 olhos que não receberam antibiótico intracameral, esse tratamento reduziu a taxa de endoftalmite em um fator de 3,5 (de 0,07% para 0,02%). Essa é a evidência clínica mais significativa até o momento de que a moxifloxacina intracameral é eficaz.
Em que circunstâncias o Sr. encaminharia um caso de endoftalmite para o retinólogo e quando as trataria direta e pessoalmente como cirurgião de catarata?
Dr. Fernando Soler
O tratamento inicial, bem como a coleta de amostras, é realizado por nós mesmos ou pelos retinólogos, de acordo com a disponibilidade. Mas, imediatamente, o retinólogo dá início à monitorização da evolução e é ele quem executa as ações precisas.
Dr. David Flikier
O tratamento inicial é realizado na clínica, aumentando a frequência da dose de antibióticos e esteroides tópicos e cicloplegia, mas sempre é considerada a urgência da amostra vítrea para esfregaço e cultura e a injeção intravítrea de um antibiótico dentro das primeiras 24 horas após o diagnóstico ou com dúvida razoável (geralmente no segundo dia do pós-operatório, com quemose, dor e demais sinais descritos).
Dr. David Chang
Pessoalmente, encaminharia de imediato um paciente com probabilidade de endoftalmite a um colega especialista em cirurgia vitreorretiniana para uma punção no vítreo e uma injeção de antibiótico intracameral. A situação complicada é aquela do olho com severa inflamação indolor na câmara anterior – fibrina e, talvez, hipópio pequeno – na primeira manhã do pós-operatório, sem inflamação do vítreo. Essa sincronização é mais consistente na síndrome tóxica do segmento anterior (STSA) do que na endoftalmite bacteriana, que geralmente apresenta um início tardio. A STSA responderá somente a esteroide tópico de administração frequente. Outros fatores que favorecem a STSA são a ausência de células vítreas e a ocorrência de casos semelhantes durante o mesmo espaço de tempo. Se eu suspeitar que seja STSA, usaria um esteroide tópico administrado de hora em hora e faria um acompanhamento cuidadoso do paciente para observar qualquer possibilidade de agravamento. Com STSA, a inflamação não deve piorar e pelo menos alguma melhoria deve ocorrer rapidamente.
Referências
Lundström M, Wejde G, Stenevi U, et al. Endophthalmitis after cataract surgery: a nationwide prospective study evalu- ating incidence in relation to incision type and location. Ophthalmology 2007;114:866–70.
García-Sáenz MC, Arias-Puente A, Rodríguez-Caravaca G, Bañuelos JB. Effectiveness of intracameral cefuroxime in preventing endophthalmitis after cataract surgery Ten-year comparative study. J Cataract Refract Surg 2010;36:203–7.
Behndig A, Montan P, Stenevi U, et al. One million cataract surgeries: Swedish National Cataract Register 1992-2009. J Cataract Refract Surg 2011;37:1539–45.
Haripriya A, Chang DF, Namburar S, et al. Efficacy of Intracameral Moxifloxacin Endophthalmitis Prophylaxis at Aravind Eye Hospital. Ophthalmology 2016;136:302-308.
Nicholson LB, Kim BT, Jardon J, et al. Severe bilateral ischemic retinal vasculitis following cataract surgery. Ophthalmic Surg Lasers Imaging Retina 2014;45:338-342.
http://www.ascrs.org/node/26101